A configuração astrológica do dia enquanto mote gerador de uma escrita cotidiana, confessional, somática . O oráculo é antes de tudo uma experiência poética. Alguns dos textos gerados podem ser encontrados aqui.

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30/11/21

Hoje queria te lembrar do dia em que você me ensinou a levantar da cadeira pelo topo da cabeça, pra que não me doessem os joelhos.

Ao te ver novamente, pensei que antes de apoiar os pés no chão pela primeira vez, colocar o peso, é preciso estabelecer a quadratura. Você vê que a dificuldade de um aspecto nem sempre significa algo ruim, pois se tivéssemos nos recusado a ficar de pé, não teríamos livres as mãos. E a liberdade, eu sei, é algo que muito lhe interessa, ainda que por vezes possa tender a amar as prisões. Também as prisões algum dia serão apenas ruínas que aprenderemos a bem querer, eu aos saltos, você por testemunho.

(Também para tirar os pés do chão é fundamental a quadratura, o afundamento do assoalho pélvico, a dobra dos joelhos antes do impulso. De repente é por isso que, embora distintas, acabamos por responder ao mesmo princípio)

A cabeça em contato com o céu é capaz de apaziguar as dores dos ossos móveis, você me amacia as dobras ao encher de ar as articulações. Ontem, antes de dormir, desejei uma massagem nos pés, ciente de que o afago é a única coisa capaz de lhes restituir a funcionalidade. Isso é importante, porque pacificar os ossos é uma habilidade rara e profundamente necessária à subida das montanhas. Do alto da minha solidez, encontrar amparo para os membros no ar é um pequeno lembrete de que mesmo quando não temos nada, temos muito. Carregue essas palavras contigo, ainda que a falha te acompanhe e te leve ao chão: tantas vezes o salto vale a queda.

[Lua em Libra quadra Vênus em Capricórnio

Sol em Sagitário faz sextil com Saturno em Aquário

Lua em Libra faz trígono com Júpiter em Aquário]

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25.10.21

Lua em Gêmeos trígono Marte em Libra

Os pés são velozes, mas mais veloz é a língua. Na malandragem tudo se pode dizer, basta ter a agilidade para, em caso de melindre, fazer soar bem o dito. Se não é possível ir direto ao ponto, mesmo que o desejemos, não há mal nenhum em circular o lugar pretendido, uma informação amacia a outra e assim se torna possível falar do que se precisa, fazer o que é necessário. No dia de hoje, ganha quem plana melhor. Eu gosto muito das aves marinhas, por exemplo, que às vezes parecem não sair do lugar, planam por horas a fio numa altura tal que a nós faz parecer não haver movimento. De repente há, mas quando saem logo outra toma seu lugar: tem sempre uma ave planando quando olhamos para o céu à beira-mar. Certa vez estive na praia com amigas e um grupo de homens falou: umas meninas tão bonitas, cheias de ideias na cabeça. Na cabeça sempre que uma ideia se esvaí, outra toma seu lugar, e raras são as vezes que ficam estáveis, planando por tempo suficiente para que possamos fingir que não estão ali. É preciso tomar cuidado, então, para que uma ideia dê lugar a outra, do contrário se acumulam e tapam a vista, nos fazem pensar que não existe nada além do que brota nas nossas cabeças, como se o mundo não fosse feito de tantas outras cabeças e de tantas outras coisas que pensam com as patas, com as vértebras móveis, rastejantes, com as bocas escancaradas cheias de dentes que não dão ideia alguma aos homens.

Lua em Câncer, trígono Sol em Escorpião

De vez em quando uma ideia desce rápida em direção às águas, ou às grutas que proveem frescor e segurança suficientes pra se atravessar a noite. O pensamento, portanto, se refugia nas profundezas, se alimenta do que mora nas águas, e há quem diga ser difícil comparar a situação do peixe com a da ave. Bobagem, na noite escura e na hora da fome, todas as criaturas se entendem. Então não se espante se alguma das ideias durante o dia insistir em fazer casa nos sonhos, ou na noite insone, olhos abertos, corpo fechado. Adormecer enrolada como uma concha para manter do lado de dentro as tripas que insistem em querer sair quando falamos demais. Sonhar que num passado distante também fomos artrópodes, e que a vida começou debaixo d’água.